No Lançamento do site ufrgs.br/poancestral, no CEMET Paulo Freire, em abril de 2023, Gã Té Kaingang fala sobre sua cultura, resistência e convivência, que faz parte da História não contada de Porto Alegre. Confira na íntegra o vídeo e o texto.
Vídeo da sobrinha de Gãh Té (em construção)
Se você deseja conferir mais vídeos parciais da fala de Gã Té, confira abaixo.
O texto abaixo é a transcrição integral de Gãh Té.
Inês Vizentini.
(...) Agora, a gente tem a honra de convidar a Cacica Gãh Té Kaingang, que vai colocar toda a luta do povo dela, para fazer a retomada do Morro Santana, e todo o confronto, a dificuldade que é, nesta cidade que está toda tomada pela especulação imobiliária, e, que a gente sabe também que o lucro é o que interessa.
Então, a Cacica nos inspira demais, a gente poder lutar contra essa desigualdade que existe na nossa cidade. Ela é um exemplo e os kaingang também. Lembrando também que eles estão com o artesanato ali no fundo.
Uma salva de palmas para a Cacica.
Fala de Ga Té Kaingang
Inicia falando em seu próprio idioma.
(Inicia falando em seu próprio idioma)
Boa noite amigos, amigas, professores alunos, músicos que tocaram que adorei, eu gosto de tambor, eu estava falando, cumprimentando meus ancestrais minhas raízes, os meus próprios que passaram por aqui, no meu dialeto.
O dialeto, que poderia ser a outra disciplina da formação do nosso país, que poderia ter o nosso país o nosso Amabam, que se chama Brasil, que esqueceram de nós, esqueceram de nosso dialeto, porque esse Amaban já existia, portanto eu preferi falar do meu jeito. Paulo Freire, está escrito nos livros dele, esses encontros, para nós caminharmos juntos. Não é tarde, nunca é tarde para caminhar junto, perante a escrita da mãe Terra somos irmãos, somos feitos da mesma matéria, só às vezes muitas negam ignoram isso.
Não se diz minha mãe terra, não se diz minha mãe tupembã, e por isso temos que caminhar juntos, caminhar protegendo nossa raiz, que é a nossa mãe terra, mãe terra e as águas que existem nela. E essa água que existe nela.
Até no Hino Nacional está escrito, mas muitos esquecem aquela linda palavra, a pátria amada, e tão gigante que ela é, mas nós esquecemos de proteger ela, beleza ela tem, mas destruímos as belezas que existem nela.
Mas nós indígenas não, nós originários deste país, kaingang, nós indígenas, não esquecemos. Mas escrevemos isso, alguém escreveu para ser seguidas estas lindas palavras que estão no Hino Nacional, mas nós cumprimos, nós honramos. E a beleza que existe nela. Que são as árvores que dão as cores, e as flores, que dão semente para nos alimentar. Beleza tem, são os cabelos, as flores, as árvores. Fora o sangue que nós temos, que é a água o... da água que existe nela, mas as vezes, não sabendo, ou sabendo a gente suja também.
Eu vim compartilhar esse, minha fala com vocês amigos. Porque estou lutando por um olho de água que está quase sendo extinto, estão construindo mais condomínio a ser extinto que a linda água, é nossa resistência, o mato também ali. Eu e meus netos, meus sobrinhos, meus irmãos e minhas irmãs, estamos cuidando. Nós somos ambientalistas de nascimento. Não precisamos ser informados, honramos, não temos academia mas honramos com vida e morte, como diz também na bandeira que é um símbolo nacional do nosso país. Nós fazemos, com honra, defendemos nossa pátria amada.
Porque eu chamei a minha sobrinha, para nossa marca, o que é a nossa marca, a nossa história, e os ancestrais esse é o nosso caminho. Os pais, o que são os pais, a rua e o sol, esse é o nosso caminho: eu sou da rua ela é o sol, os deuses nossos seguidores, nossos animais. É porque nós amamos a natureza.
Adorei estar aqui com vocês, nesta oportunidade. Meus velhos não tiveram essa oportunidade. Espero que meus netos e meus tataranetos, tenham muitas oportunidades.
A nossa Constituição diz também, e eu não escrevi: direitos iguais. Temos? Não! Não temos. Tem outras leis também municipais e estaduais, são nossos direitos, o humano, o bem-estar, o viver. No entanto, as vezes, temos nossos irmãos, debaixo da ponte. E dois aqui de não estender o braço. Eles não tem condições, mas alguém tem condições e não colabora.
Falei da minha parente também, Elaine, atravessou o mar, obrigado por estar aqui, ela também foi escravizada como nós, foi sofredora como nós. E cadê o direito nosso? Espero que a formação dos futuros alunos e futuras lideranças colham isso: direito de todos na prática; respeito em primeiro lugar. Vamos realizar jovens estudando, crianças estudando, acolham e amem a vida, acolheram os parentes semelhantes a vocês, mas amem de verdade.
Então é isso meus amigos, minhas palavras são assim, se por acaso se ofenderem, desculpa mas é sempre assim, a nossa história, a verdadeira história, diz a palavra mas atraz. 523 anos a história de nosso mambam que se chama Brasil.
Nós sabemos quantos indígenas (etnia) que compõem o sul do Brasil. Eu sei cada povo mas, muitas vezes alguma liderança, talvez sem conhecer bem o assunto, ou ignorância também bota só um povo junto. (se referem a todos os povos como um só um povo). Fizeram isso conosco (nos trataram por muito tempo como só um povo), nós kaingang na retomada, valorizando a terra, as avezes, os animais (macaco, bugiu, passarinho), a vegetação, estamos conscientizando sobre isso. Como iremos num povo dos parentes guarani e tratá-los como Kaingang, seria desrespeito a eles.
Então cada liderança sabe respeitar cada povo: Guarani, choclé, kaingang, charrua ou outro.
Eu to ali, no território, tô ali, ninguém comprou nada. Defendemos o mato, a água, os olhos d’ água, defendo com a minha vida, as raízes que estão aí, na medicina, e as frutas que nos alimentam e os bichos.
Então, muito obrigado, aos professores, amigos, já falei, e aos demais, e muito obrigado de coração. E mais um, eu estava aqui fazendo o curso com professor, mas eu vou retomar, vou voltar a estudar, vou tentar escrever isso aí (a nossa história). Quem sabe? Mais uns cem anos vou me formar. Risos e aplausos.
Fala da sobrinha da Iracema
Boa noite, sou liderança, sobrinha da Iracema. Como ela falou tentaram nos enfiar nos territórios com outros povos. Nós não quisemos ir, não por não querer, é porque nós respeitamos o outro território, a outra etnia. Esta juíza se achou no direito de colocar duas etnias diferentes, no mesmo território. Etnias diferentes com costumes e modos de viver diferentes no mesmo território. Só que a gente sabe que não é bem assim, cada grupo no Brasil inteiro tem sua etnia, suas próprias culturas, suas próprias vivências. Então, não adianta dizer que se eu for para o território guarani, vou me acostumar, vou me adaptar ao modo deles, assim como eles não vão se adaptar aos nossos hábitos, modo de viver, ainda pior (um complicador), os dialetos são diferentes e falam muito pouco o português. Então como entraríamos num território de outro povo? E como iríamos nos comunicar entre Kaingang e Guarani?
Então acho que isso foi um desrespeito não só com o povo kaingang, mas também com o povo guarani e com todos os povos que existem no mundo. Porque nem um juiz, nem uma juíza, nem uma autoridade ela deve de passar por cima dos direitos de um povo. Não só nós, povo kaingang, mas todos os povos que existem no Brasil.
Como a tia já falou existem milhares de povos indígenas, que ainda não são bem-vistos na sociedade e quando a gente fala na retomada, que antigamente era ocupação, a gente não está ocupando o que é dos outros, a gente está ocupando aquilo que é nosso por direito, e que nos foi tomado tempo atrás. E essa retomada, ela é importante, porque pela primeira vez duas etnias, de povos diferentes, com o mesmo objetivo, em vez de brigarem entre si, povo kaingang e povo choklein, a gente resolveu unir forças, e fazer uma retomada só. E dois povos, pela primeira vez, está reivindicando um único território, porque não é só para moradia nossa, mas também para preservar aquilo que está lá, que é a natureza, que são os bichinhos que estão lá, para não destruírem aquilo que está lá e colocarem mais apartamentos.
Porque era o que ia acontecer, se a minha tia não tivesse atitude e coragem de levantar e dizer: Não! Vamos lá e vamos levantar e vamos defender aquilo lá. Muitos criticaram ela, mas não. Agente foi lá, correndo risco muitas vezes de levar um tiro de uma pessoa que não queria deixar a gente entrar. A gente foi lá, de peito aberto, e fomos lá, e entramos, e dissemos não. Aqui ninguém mais vai botar prédio nenhum. Porque o que eles fariam com aqueles animais, aqueles bichinhos que estavam lá. É que eu fiz uma pergunta um tempo atrás para uma guria, eles iam tirar daqui, eles iam procurar um zoológico para enfiar esses bichinhos, assim como eles queriam enfiar nós em um outro território que não é o nosso.
E, pela primeira vez, essa luta ela é só de mulheres. Há quarenta anos, a minha tia, ela luta por território para outras pessoas. Mas, desta vez ela luta por um território para ela, para os dela, que são nossos sobrinhos, filhos, irmãos dela que estão lá, então quando ela fala que ela tá lutando ali, que não é pra ela, e, sim para os parentes que vão vir, e não vão ter onde fica, mas vai ter a retomada ali, e a retomada, ela está ali, para acolher todo mundo, não só o povo kaingang, o povo choklé, mas todo mundo que precisa de um acolhimento, porque quando a tia fala que a gente está lutando por direitos de moradia, a gente não está lutando só para nós povo kaigangs, a gente luta pelo direito de moradia dos povos mais necessitados, das pessoas que não tem de onde tirar para pagar um aluguel. Porque muitos, por causa da pandemia hoje moram de aluguel, ou moram nas ruas, por terem perdido os seus empregos. Quando a gente faz uma retomada, ela não é só pra nós, quando a gente por moradia, não é só pra nós, povo kaingang, a gente luta por moradia para todo mundo, não é só pra nós.
Então quando a gente fala de luta de mulheres, não é só pra nós. A minha tia luta há quarenta anos, eu to começando há cinco meses, mas eu já sei o que é uma luta, mas eu, graças a deus, eu tenho ela ao meu lado, e lutar do lado dela, como ela falou, quem sabe daqui cem anos, ela ainda vai estar lutando, porque a gente não sabe, o dia de amanhã como se diz, mas então quando a gente fala de respeito, é esse tipo de respeito que a gente deve ter.
Respeito com as diferenças, as diferenças de igualdade, as diferenças raciais, as diferenças de gênero, as diferenças de sexo. A gente não tem que julgar as pessoas pela diferença que ela tem, a gente que julgar a pessoa pela atitude que vai ter. Se eu faço uma atitude boa, aquela pessoa vai dizer, não ela fez uma atitude boa. Bom beleza! Mas aí agora vai lá e faz uma atitude que não é boa perante os olhos da minha liderança, ela vai pegar e vai me dar um puxão de orelha. Ela vai dizer pra mim que não é assim que se trabalha, que não é assim que se ensina.
Então quando a gene fala de respeito, a gente não fala só dela como liderança, a gente não fala de mim só como liderança. Quando a gente fala de luta mulheres, não é de agora que nós mulheres lutamos, por direitos. Quando a gene fala de direitos iguais, agora semana passada eu vi que fizeram, uma lei que agora a mulher tem o direito de falar igual ao homem, mais o salário a gente podia já estar ganhando, há muito tempo. Porque a mulher faz bem, e faz melhor que muita gente. Quando a gente fala de direito de mulheres, é esse tipo de direito que a gente quer. O direito de você ganhar, e fazer a mesma coisa e ganhar a mesma coisa que o homem ganha. Então quando a gente fala, de respeito e de luta, nós povo kaingang, a gente respeita muito as mulheres. No entanto, nesta retomada que a gente está fazendo, quando a gente fala que ela é só de mulheres e de lideranças, não é porque não tem homem lá dentro, tem homem, mas os homens, eles respeitam as nossas leis, eles usam o respeito. Mas a gente não quer o respeito só deles, dentro da retomada. A gente quer o respeito só porque somos uma liderança. A gente quer o respeito em qualquer lugar, em qualquer ambiente de trabalho. Em que qualquer lugar, em qualquer ambiente que você se sinta bem. A gente quer ter o respeito, não só como pedido de direito, mas como pedido de respeito.
Então, homens vocês que são pais, são casados, respeitem as mulheres, vamos dar mais visibilidade, vamos dar mais visibilidades as mulheres que lutam, não só as mulheres que lutam, não só as mulheres kaingank, mas as mulheres pretas, as mulheres lgbt, as mulheres todas. É o que a gente quer, é só o que a gente quer. A gente só pede respeito. Respeito por todos os povos indígenas, e por todas as crenças, e por todos os povos que o Brasil tem, porque o Brasil é cheio de diversidades. É isso que gente quer: respeito! É respeito!
E, viva a retomada!
Aplauso.
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