quinta-feira, 7 de março de 2024

Seriado: Primeiro Sarau PoAncestral - O que o “bullying” esconde? Conversando sobre violência, preconceito e discriminação por raça e gênero na escola.

 

SERIADO.

O Primeiro  Sarau PoAncestral ocorreu no dia 12 de dezembro de m2023, no CEMET Paulo Freire em Porto Alegre. Este seriado contém vídeos das apresentações realizadas no Sarau. Como foram muitos para uma só noite houve pouco tempo o que provocou uma abordagem resumida. Colocados aqui você pode se informar do tema e seguir aprofundamento na produção dos autores que indicam publicações em livros, artigos ou sites. Foi uma excelente noite para você sorver e até mesmo obter referências para o trabalho.

Professora Talita Prof. Talita Rondam Herechuk do Laboratório de Aprendizagem  da Escola Municipal de Ensino Fundamental Timbaúva; doutoranda em Geografia na UFRGS. Trabalha com a Pedagogia Feminista com as Geografias Feministas, e com a Geografia das Emoções.




Transcrição

Para melhor compreender apresentamos um breve conceito de Geografias Feministas: As Geografias feministas são um campo de estudo que analisa as relações entre gênero, espaço e poder. Essa abordagem busca entender como as questões de gênero influenciam e são influenciadas pela organização do espaço geográfico, explorando temas como desigualdade de gênero, acesso a recursos, representatividade e justiça espacial, além de visibilizar desigualdades, violências e preconceitos de gênero e suas manifestações nos diferentes espaços.

A geografia das emoções é um campo de estudo que explora como as emoções estão ligadas aos espaços geográficos e como esses espaços influenciam as emoções das pessoas.  Em resumo, a geografia das emoções, numa perspectiva feminista interseccional, investiga a relação entre emoções e percepções distintas dos lugares, a partir das experiências de diferentes corpos e seus distintos marcadores de classe social, raça,  gênero, sexualidade, do lugar de moradia, do lugar de origem, dentre outros.

Talita: 

Primeiramente sou grata, sempre aprendendo com os colegas, eu sou uma professora……... comecei muito jovem, primeira vez que entrei em sala de aula, eu tinha 15 anos. Eu sou professora já há 20 anos, e eu falo assim para os meus colegas que eu já estou um pouco cansada, mas estar neste espaço do laboratório, é um espaço de resistência, e que também me proporciona o encantamento. Eu sou uma apaixonada por esse trabalho, eu já trabalhei em outra escola, na Escola Chico Mendes, eu trabalhei no Laboratório de Aprendizagens que tem lá. Então eu atendo aqueles alunos que têm dificuldades de aprendizagem, para quem não é da rede (REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO) nem todos aqui entendem. Nem todos aqui avezes, não entendem.

E eu trabalho agora na EMEF Timbaúva, com os anos finais, 7ºs, 8ºs e 9ºs anos. Eu trouxe aqui um trecho, um meandro da minha pesquisa de doutorado. Eu sou doutoranda EM Geografia na UFRGS, orientada pela  Dra. Ivaine Maria Tonini. E trabalho com a Pedagogia Feminista com a Geografias Feminista , e com a Geografia das Emoções.

Porque que eu falo isso. Por que, quero ler um trecho, que é um trecho também da minha qualificação, é um relato, pra gente conversar rapidamente sobre o meu trabalho, eu separei aqui: então na minha tese eu vou trabalhar com essa diéia que quem são os enlutáveis, quem são os desejáveis, qual é a imagem do aluno ideal. A imagem do aluno padrão dentro da escola e eu trabalho justamente com a outra ponta.

Eu pensei muito antes de falar, mas tudo o que vivi, nestes dois anos na outra escola, nestes dois anos nesta escola, e é o que eu sinto.

Eu acho que eu trabalho, com o quarto de despejo da escola, como a Carolina Maria de Jesus falava, a favela é o quarto de despejo, da cidade, eu trabalho tentando ressignificar esse espaço. Em que muitos alunos têm “n” questões, não só a aprendizagem. E eu trabalho com as histórias de vida deles, e às vezes, eles trouxeram esses relatos, muitas situações em que eu percebi que eles eram sobreviventes, muitos sobreviventes de chacinas.

Muitos, descendentes, filhos diretos de pessoas que passaram por essas situações, e crianças traumatizadas. Então, eu sempre falo, eu sou muito comovida com toda a situação das crianças na Palestina, porque e a gente trabalha aqui na nossa escola, na nossa escola da rede municipal nós trabalhamos com essa população, que está sendo dizimada, e morta. E, a gente, por mais difícil que seja, a gente entender isso.

Eu vou trazer um relato, rapidinho aqui, de uma coisa que eu vivi. Na outra escola, mas já vi relatos parecidos na escola Timbaúva, que é quase em Alvorada.

Hoje vieram poucos alunos a escola. As crianças relatam que escutaram muitos tiros à noite e um deles disse: eu nem dormi sora.A minha casa fica com a porta aberta, porque fica bem na divisa da rua com o mato. E os caras precisam passar pela minha casa para se esconder. Minha mãe já disse para ficar quietinho e a gente se esconde atrás do armário.

Fiquei estarrecida com a franqueza daquele relato. Como dar uma aula sobre vogais e trabalhar com o que tinha planejado para o dia anterior, (…). Um aluno interdita a fala de outro: ei, não é bom ficar contando essas coisas na escola, os caras falaram pra ti ficar de bico fechado.

No turno da tarde os alunos mais velhos estão agitados, alguns olham o celular, e no meio do recreio, observo três meninos negros pulando o muro da escola e os interpelo gritando: onde vocês vão gurizada? O aluno G, com o qual eu tenho uma relação mais próxima de afeto me responde: os caras estão chamando para uma função. Vão invadir na vila sora, e precisa, da gente.

Me dói o coração e me estremeço ao ouvir aquilo. Falo: não vai G. tu tem escolha. Ele replica educadamente: não tenho. Bah sora, que tá querendo o quê de mim. Eu respondo: te quero vivo. Vejo ele pulando o muro da escola e subindo a lomba correndo.

É um relato de uma situação que eu vivi, que eu conto sempre. O G, que é um aluno que eu mudei o nome, claro, é um aluno que sobreviveu, mas hoje eu tive a notícia, de outro aluno, que não. Eu entendo o espaço do Laboratório de Aprendizagem como um espaço de vida. Eu achei assim, no doutorado eu queria entender isso, essas questões todas, eu cheguei na Judith Bater que é uma judia antisionista, e ela vai trabalhar, a preocupação dela agora é esta: quem são os enlutados? A preocupação dela agora é essa. Quem são essas pessoas por quem lutar, quem são esses por quem a gente chora. Quando eu chorar por aqueles meus alunos que não estão mais aqui, é importante. A gente falar deles na escola é importante ter o luto. A importância do luto, é muito importante em nossas escolas. Por que parece que quando um aluno evade, abandona, é só um, uma tarja, marcada com um canetão. Um canetão fosforescente, um marcador de texto nas nossas listas. E agora no final de ano, agente passa pelos conselhos de classe, e olhar para essas coisas, que às vezes, são bem indigestas, nós queremos falar de circo, palhaços, cirandas, mas nós somos professores, essa é a realidade, é importante que a gente olhe para isso também.

A gente quer que o aluno sobreviva, se a gente quer luz sobreviva, e que a escola seja um espaço de vida, que o laboratório seja um espaço de vida, e que todos os projetos todos os projetos sejam espaços de vida, a gente precisa pensar sobre isso.

Eu mudei um pouquinho o que eu ia trazer, porque, na verdade, os meus alunos prepararam um banner lá, nós já apresentamos na Assecom, porque eles também acharam que estava se falando muito sobre bullying na escola. E, eles mesmo, começaram a se irritar com essa situação do que e o bullying, então além da questão da sobrevivência, o meus alunos começaram a dizer: tá mas o que é o bullying? As escolas, as vezes, param, fazem palestras sobre o que é o bullying, combate ao bullying, e nós começamos a pensar sobre isso.

Comecei a estudar e eu cheguei até nas minhas leituras, no meu doutorado, sobre feminismo interseccional, e aí tive a ideia, através de uma cientista, de uma geógrafa feminista, de trabalhar com os níveis de bem-estar escolar. Que u acho que tem tudo a ver com isso do luto e da vida, dos enlutáveis. Quem são as pessoas? E aí começamos a pensar como as emoções e aí o conforto e o desconforto de certo lugares, são marcadores de desigualdade, para sair dessa história do bullying, superar essa história do bullying, e aí a gente chegou, lá está lá atrás (exposto) quem sofre mais o bullying. Se fosse pra olhar sim e não, que está lá a gente ia ver que 50% mais ou menos, dizem que sim, e os outros 50% do LA (Laboratório de Aprendizagem) dizem que não. 48 alunos responderam.

E aí o que aconteceu, eu comecei a dizer mas vamos mostrar outros marcadores. A classe social não é tão interessante naquele contexto. Naquela escola bem dentro da comunidade onde estão inseridos, mas outros marcadores mostraram que foi raça e gênero. E o que a gente viu, discutimos com eles, essas questões. Nós vimos que meninos e meninas deu uma disparidade enorme nesse nível de bem-estar escolar.

Os meninos brancos que eu atendo no Laboratório de Aprendizagem marcaram um nível 9.5 numa escala de 0 a 10. Zero seria o mal-estar total, e 10 seria o bem-estar total ao estar numa escola. Não avaliamos o LA neste momento, talvez nem no próximo ano. A gente avaliou o nível de bem-estar na escola.

Nós vimos depois que as meninas… os meninos brancos era 9.5, os meninos negros foi nossa surpresa na pesquisa ficaram 8 e pouco na média, e as meninas ficou entre 6.3 e 6.4. 6.3 as meninas negras e 6.4 as meninas brancas.

Eu achava né, racionalizando ali, porque eu atendo também na minha pesquisa, que 38% dos alunos se autodeclararam negros na hora ficha da matrícula. 70% dos alunos que eu atendo são autodeclarados como negros, pretos e pardos. Então eu achei que esta questão ia ser prevalente mas o que não foi, mostrando que foi um mal-estar dos anos finais, das meninas mais velhas da escola, que é o nosso coletivo de atendimento. Claro e a gente discutiu isso entre eles.

Veja estes dados em imagens AQUI.

Então essa é a pesquisa que eu trouxe, pra gente conversar e claro, quando a gente conversou, os meninos negros, alguns, trouxeram, também, uma informação muito importante que o fato de que eles não queriam se mostrar vulneráveis, então eles, alguns disseram que marcaram um valor maior de bem-estar, do que eles gostariam. Depois pensando, discutindo.

Mas também esta visibilização das violências, também é importante para a gente conversar dentro da escola. O nosso momento entre eles, mas também eles mas acho que vai ser um momento de muita gente conversar, ampliar para o grupo que eles querem, no próximo ano, agora que seria a discussão, também do bem-estar e mal-estar escolar, as desigualdades na escola e do bulliyng e também da sexualidade. Alguns alunos me trouxeram estas questões, então as discussões são imensas ali.

Nesse trabalho que me emociona, é um trabalho de resistência que eu tenho que bater o pé todo o dia para atender os meus alunos e não substituir (substituir a aula de algum professor que faltou ou que não há na escola, em detrimento do trabalho no Laboratório de Aprendizagem), né, a gente sabeque não é fácil.

Agradeço!

 Clique na imagem abaixe e veja em formato mais nítido.

 


 

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